
DOURO DE VINHOS FINOS E DE HOMENS FORTES
O Homem é a medida de todas as coisas. Também o é desta terra que era estéril e se tornou fecunda, tão forte foi o jeito dos braços no abraço que lhe deu. Justa medida é a das águas do rio que eram bravas e se amansaram. Permanece humilde, todavia, este Homem do Douro. Porque ele precisa sempre do sol que aquece as águas e gera as chuvas, que agasalha a terra e torna doces os frutos.
PARTINDO RUMO A SANTA LEOCÁDIA
O ponto de encontro para a viagem pode ser a Av. Marechal Carmona, no espaço fronteiro à capela de Santa Bárbara. A EN 226-2 por onde seguimos é uma fronteira entre a Beira e o Douro. De um lado, fica o granito, o pinhal e o souto de castanheiros, o ar bravo da montanha. Do outro lado, fica o xisto, a oliveira e a vinha, o ar abafado dos vales fundos. Passamos pelo miradouro fronteiro à capela de S. Torcato e S. Plácido estendendo o olhar sobre a paisagem abençoada que se esfuma na distância. Ao km 2,3 volta-se à direita pela estrada 512 que desce para o rio Douro através de Adorigo. É terra de vinha plantada em geios suportados por muretes de xisto de paciente construção. Para ir a Santa Leocádia, devemos descer cerca de 6 km seguindo, à esquerda, as temerosas alturas do Monte Sabroso. A povoação alonga-se a meia encosta, mas o seu perfil gracioso apenas o distingue quem passa o rio Tedo e olha, já do concelho de Armamar, sobretudo ao fim da tarde. Podemos visitar a graciosa Igreja Matriz, no centro, e, num dos extremos, a Capela da Senhora da Saúde. Pela sua singularidade, chamamos a atenção ao nome de uma das ruas de Santa Leocádia: a Rua do Tumbio. O rio Tedo fica a dois km. Atravessa-o uma ponte de cantaria, de dois olhais que foi levantada no séc XVIII. Seguindo, chegaríamos ao concelho de Armamar, junto a Santo Adrião, donde pode descer-se até à Foz do Rio Tedo. Voltando ao nosso percurso, ao km 6 estamos em Adorigo.
ADORIGO
A Igreja Matriz, com entrada pela rua o Seixo, é um templo moderno, inaugurado em 1984, tendo-se aproveitado da antiga igreja o retábulo barroco da capela-mor, os dois retábulos da nave, a talha do arco cruzeiro e os caixotões pintados da capela-mor. O adro da Igreja é apetecido miradouro sobre o nascente plantado de vinha e oliveira, entre as quais brilham, com o sol ou molhados de chuva, os mil fragmentos de xisto. Volta-se à estrada e em breve se encontra a pequena povoação de S. Martinho. Repara-se logo na pedra de armas inscrita na empena alta de uma casa que um dia a incluiu como mero adorno. Tomando a rua da Capela, pode visitar-se a pequena Capela de S. Martinho, cujo adrozinho é miradouro sobre as águas do rio. Ao km 9,5 descobre-se o casario branco da Quinta de S. Luís e os vinhedos novos. À esquerda correm as águas do rio Tedo, que se enrola em graciosos meneios, antes de chegar à foz, no majestoso Douro. Ao km 12, a estrada que trazíamos encontra a E.N. 222, que sobe da Régua para o Pinhão marginando o rio, larga, quase tocando a água. Seguimos por ela. Os terrenos de encosta sobre a direita são pertença da Quinta de S. Luís, onde iremos subir 2 km adiante. A quinta pertence à Sociedade Agrícola de Bagaúste (Barros Almeida - Vinhos, S. A.) e compreende casa de habitação, instalação técnica para preparação e armazenagem de mostos e uma enorme superfície de plantação. A visita é particularmente interessante entre Maio e Setembro. Retoma-se a EN ao km 18 e ao km 20 estamos na foz do rio Távora, o chamado ponto da Cachucha, donde sobe a EN 226-2 para Tabuaço, distante 10 km. Ainda há por ali, ancoradas, algumas velhas barcas de passagem que hoje servem de recreio ou poiso de pescadores de domingo. Uma placa na estrada convida a subir à Quinta do Panascal, na margem direita do rio Távora, para prova ou aquisição de vinho fino. Não fica longe. Alcandorada na margem alta do Douro, fica Valença do Douro para onde seguimos, tendo de deixar, adiante, a EN 222, para subir a estrada municipal nº 504. É um caminho de acentuado declive. Exige especial atenção ao condutor que poderá parar onde lhe parecer mas conveniente para olhar o espantoso vale do Douro, que se torna uma autêntica estrada de prata quando se olha sobre o poente ou porta do reino maravilhoso de Trás-os-Montes quando se olha sobre o nascente. A Quinta do Espinheiro, a meia encosta, com a sua imaculada brancura que tudo cobre: fachadas, telhados, muros de cerca, é um retrato de um Douro romântico que sabe bem encontrar.
VALENÇA DO DOURO
Ao km 26, a antiga vila de Valença do Douro estende-se ao longo de uma extensa fita de estrada e a malha urbana oferece um extenso casario renovado por remessas de emigrantes e poupanças de lavradores cujos vinhos tiveram direito a benefício. A moderna Igreja Matriz fica à entrada do povo. Quem pára no Adro pode encostar os braços ao muro de nascente para olhar demoradamente o curso rectilíneo do Douro que avança até ao Pinhão e ali se detém, por momentos, contra o cais de embarque. Em Valença, pode subir ao sítio da vila antiga para olhar o pelourinho, junto à Casa da Câmara que se mantém de pé. Por sorte, podem andar na rua os "Rabelos, Grupo de Bombos de Valença", com os seus trajes garridos e os ritmos de marchas de guerra ou de passos de trabalho. Ao km 27 saímos de Valença. O rio Douro vai ficando sobre a esquerda com essa paisagem grandiosa feita de relevos arredondados onde se espalham casais e aldeias brancas. Estamos no alto, junto à Quinta do Bom Retiro, onde o xisto se tornou rei absoluto. Tabuaço descobre-se ao longe, a Sudoeste. Há uma cruz de estradas. A da esquerda leva ao castanheiro do Sul e ao Pereiro, que ainda é terra de Tabuaço.
PEREIRO
Para ir ao Pereiro é necessário fazer um desvio, atravessando território do município de S. João da Pesqueira. A aldeia alonga-se na dobra de um monte, quase ao longo de uma rua só, entre a Igreja e o cemitério. Ao km 29, no alto da Serra que se começa a descer, há uma sensação indescritível, ao mesmo tempo, de impotência e de magnitude. Estamos perante a Serra de Chavães, sobre o Poente, donde se desprendem as escarpas avantajadas do Fradinho, junto a Tabuaço. Ao km 29,5, lá onde fica um cemitério, uma pequena estrada pode levar quem se interessar, à pequena aldeia de Balsa, com a sua capelinha que mal se enche em missas de domingo. A caminho da Desejosa, que já se avista ao longe, fica, sobre a esquerda, a Capela de Santa Bárbara, de 1759, com um terreiro onde é fácil encontrar pares de namorados ao findar das tardes de Verão.
DESEJOSA
A aldeia é como que um presépio, alongada a meia encosta. Característica por ainda manter algumas casas e outras construções em xisto, vive do azeite, da amêndoa, do vinho e de algumas hortas. A Igreja Matriz tem um ar moderno. É uma casa de Deus onde os homens se sentem bem. É fácil encontrar gente mais velha sentada à sombra e é fácil conversar com eles. Falam de pão e de vinho, de festas e de trabalho, das antigas idas à vila em dia de feira por caminhos maus que atravessavam o Távora numa ponte de pau. Descendo até ao rio, a estrada é de fortíssimo declive. As paisagens são atraentes, de uma forma contraditória, ao mesmo tempo belas e horríveis. O rio Távora atravessa-se agora sobre uma moderna ponte de betão e a estrada começa a subir encostas íngremes, que o homem não se atreveu ainda a plantar. Uma central hidro-eléctrica implantou-se, há alguns anos, na meia encosta, recebendo as águas deste rio que se armazenam na albufeira do vilar e chegam a alturas do Fradinho, percorrendo um túnel subterrâneo de 15 km, despejando-se depois, com vigor, sobre as turbinas geradoras de luz. Logo acima, a estrada municipal encontra a EN 223, que sobe o rio Douro e que a partir daqui decalca, aos poucos, um caminho antigo que descia da vila e onde vamos entrar pela rua de S. Vicente, tendo percorrido ao todo, cerca de 45 km. Fica sendo tempo de repousar um pouco, de jantar em agradável companhia e de beber, para celebrar o dia, um cálice de vinho fino há muitos anos colhido nas encostas que acabamos de atravessar.
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